Estou cansado. Sinto-me realmente
cansado e defraudado com a minha existência. Ou terei talvez que dizer que me
sinto defraudado de viver nesta existência. Peno tentando ser só outro... ser
um ser sem questões. Desespero igualmente perante a constatação de que a minha
questão e reflexão são um problema para o meus pares. É qualidade inerente à
maioria das pessoas ficar mais confortável sabendo o outro arrumado naquela
rotulada gaveta mental da qual imaginam que nunca sairá. Reconheço hoje o
aberrante esforço que fiz por parecer "normal". Esforço que culminou
na criação daquilo (daquilo e não daquele) que sou. Tornei-me num monstro de
adaptatibilidade, um camaleão, um ser que não existe. A minha mente molda-se e
transforma-se numa outra a cada momento e todas falam comigo ao mesmo tempo... Não
posso deixar de pensar: Serei Eu realmente o reflexo de tantos seres em mim,
onde cada um parece ter personalidade e vontade própria? Terei eu uma vivência
em tão dispares planos que não Me consigo realmente definir como pessoa? Será
isto apenas um exemplo da multiplicidade do ser? Quem escreve estas palavras
então? Quem é o ser que as escreve? Quem sou Eu? Uma mescla de todas as minhas
identidades ou simplesmente, não sendo nenhum desses Eus que criam o Eu, não
existo? Ortega y Gasset diz que "Eu sou eu e minha circunstância". O
autor desejava exprimir a formação do Eu em toda a sua quase perfeita
complexidade. Complexidade que caminha do Caos para Ordem e onde a Ordem é o Eu
que se apresenta como pessoa. Esperei também encontrar-me ao tentar definir com
clareza a minha circunstância, mas nada define mais o Eu do que
"inconstante". “Eu não sou Eu na minha circunstância”. E tento não
ceder à tentação de sugerir que “Eu sou Eu e as minhas circunstâncias”, pois por
muito que ilustre a minha intenção corro o risco de corromper o valor absoluto
de “circunstância” dado pelo autor. Sim... talvez o segredo esteja no entender
dos conceitos como voláteis. Aceitar uma experiência própria e autónoma de cada
ser em mim em cada momento desse todo. Sinto então que arrisco ao propor que
sou resultado do roçar no paradoxo da divergência parcelar das experiências de
um indivíduo, no âmbito de algo absoluto como é a circunstância do mesmo. Mas
encontrarei assim a paz de Me encontrar algum dia?? Ou será minha maldição não
existir e apenas vestir pele atrás de pele de "personagens de mim"
criadas por mim para outrém e que absorvi de tal maneira que hoje sou apenas
aquele que vê através de mim e que não mais será revelado...
2 Comments:
Que bom q voltou a escrever, eu realmente adoro os seus textos, continue assim.
Abraços :)
Obrigado pelo comentário. Por mais paradoxal que pareça, o blog funciona para mim apenas como um suporte para a minha escrita. Um suporte que funciona comigo. Escrevo para ler a minha pessoa. Mas é bom saber que há outros a prescutar estes vislumbres da minha essência. Lamento os hiatos, mas nem sempre é fácil juntar as condições mentais para estruturar e transcrever as vozes que me assolam desde dentro. Abraço
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